A esperança
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Aos nossos leitores

 

Este jornal continua a sahir á luz bafejado pelos propicios ventos da bonança, e acreditando na benevolencia que sempre tem recebido do illustrado publico.

Os poucos tempos da sua interrupção serão em breve compensados pela nitidez e sublimidade dos escriptos, e se as nossas intenções se não frustrarem, é de suppôr que em breve augmentemos o jornal e lhe demos o realce necessario a uma publicação litteraria e além d'isso o unico semanario que conta actualmente a cidade do Porto.

Não fazemos brilhantes promessas, mas aquillo que promettemos cumprir-se-ha. Disse um sabio que devemos sempre prometter menos do que tencionamos dar. E' isto mesmo o que fazemos

Creiam os leitores na sinceridade da nossa palavra, e acreditem, que acima de todos os deveres, teremos sempre em vista os melhoramentos progressivos do nosso jornal litterario.

 

 

O editor que foi d'este jornal Antonio Pereira da Silva, declara aos seus illustres subscriptores que o coadjuvaram na sua empresa até ao numero 24, que desculpem não terem recebido os numeros seguintes, porque justos motivos o levaram a não poder continuar com a sua publicação, e como ainda não se acha com forças bastantes para o dirigir, de commum acordo com os snrs. A. P. do Amaral e G. G. Coelho, lhe passo a empresa para elles poderem publicar como editores; emquanto saptisfizerem ás condições do contracto contrahido entre mim e elles.


 
Duas palavras de explicação
 

 

Ha dois annos escrevi essa historia, lenda ou que lhe quizerem chamar, a que puz o nome de — A Casa Negra — Escrevi-a e atirei com ella para o fundo d'uma gaveta da minha secretaria.

Lembrei-me de lhe dar publicidade, não pelo merecimento do escripto que nenhum encerra, mas sim para tornar mais conhecida a rude singelesa que caracterisa ainda os aldeãos de Tras-os-Montes.

De semana em semana, de mez em mez, fui addiando este meu designio quasi dois annos!

Ultimamente, entre alguns livros que mandei vir, deparo com um romance do snr. Luiz Augusto Rebello da Silva, intitulado: — A Casa dos Fantasmas. — Li com curiosidade, porque se não bastasse o nome do author, a epigraphe é tambem um incentivo a despertal-a.

O meu interesse cresceu, quando deparei com uma Casa Negra, no romance do snr. Rebello da Silva!

Renovou-se-me o desejo de publicar o meu pobre escripto, mas agora fazendo-o, sem esta explicação, podiam suppôr que eu fui roubar ao excellente romance do snr. Rebello da Silva, a sua Casa Negra, povoada de fantasmas, e cheia de tradicções horrorosas.

Algumas pessoas diziam-me que mudasse o titulo á minha producção, mas eu não acceitei o conselho, porque queria conservar á minha pequena obra o nome, e a fórma permittiva que lhe dei; e tambem entrava n'esta repugnancia á «crisma», um bocadinho de vaidade, por que eu tenho desvanecimento em ter tido um pensamento litterario, alguma coisa semelhante ao do abalisado e mimoso escriptor.

E quem sabe se nos mesmos dias em que s. exc. escrevia — A Casa dos Fantasmas — eu escreveria também — A Casa Negra ?! — Isto que fica dito não é para quem pôr algum termo de comparação no merecimento dos dois escriptos, porque isso seria irrisorio! Foi unicamente para provar a quem ler — A Casa Negra — que eu não plageei o romance do snr. Rebello da Silva.

A Casa dos Fantasmas é um romance lindissimo, com uma linguagem elegante, escolhida, cheia de naturalidade e graça que destingue os escriptos do snr. Rebello da Silva. A Casa dos Fantasmas, é mais uma bonita flôr que se desprendeu dos biccos da sua delicada penna; — A Casa Negra — é.... o que os meus leitores vão ver.

Veiga, 23 de Junho de 1866. Ephigenia Carvalhal.

 

 


A Casa Negra
 

 

A hora em que mais fundo inspira o somno
Ouviu-se horrendo grito, unico; estranho!
D'onde? de quem? porque? ninguem o soube, etc.


A. Feliciano de Castilho
(Noite do Castello)

A aldeia do Nogueiral é uma pobre, mas pittoresca povoação que se espreguiça descuidosa pela falda d'uma elevada serra. Banha-lhe os pés um riacho que serpenteia por entre moitas de verdura, e sobre um tapete de areia fina e lustrosa

Segundo anno — 1866
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