A Esperança
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A tia Brizida — a mais velha da aldeia — estava assentada no ultimo degrau da escada da sua casa, e mais duas mulheres idosas tambem, estavam acocoradas junto d'ella.

— Ai! Senhora do Amparo — dizia uma benzendo-se — eu cada bes que me alembra o que bi hontem á noite!...

— E que foi tia Entonha? — procurou uma das companheiras.

— Jesus, ainda estremeço em pensar em tal! Bento nome de Deus! — E a velha tornou-se a benzer.

— Mas que foi, tia Entonha?

Probablemente passou perto da casa negra — respondeu a senhora Brizida com ar sentencioso.

— Justamente, senhora Brigida; eu le conto o que bi:

— O meu tinha ido cortar estrume para o monte da fidalga, e que, como sabem, fica perto d'essa casa endemoninhada. Anoiteceu, e elle sem bir! Tive medo que le tibece succedido alguma ousa má, cobri o capote pela cabeça e fui-me em cata d'elle.

Quando passei pela casa negra estaba esta tão socegada e muda como um cemiteiro, mas mesmo assim tibe medo; eu ia a resar no meu rosairo, e sem saber como, este cahiu-me da mão, e eu senti passar perto de mim a modo de um bode negro, e ouvi patas a godijar! Benzi-me e passei adiante. Cheguei ao fim do monte, chamei pelo meu , mas elle não me respondeu.

— Ai! Credo Bento! — disseram as outras velhas — em tal sitio, e a tal hora e vocemecê sósinha!!

— E eu só! não ouvia senão o barulho da agua do rio prexepitando-se das fragas, e o vento que passava por riba dos carvalhos! Chamei de nobo pelo meu , corri o monte todo, e nada! Lembrei-me que teria ido pelo caminho do rio com os carros da fidalga, e resolvi a boltar para casa; mas quando tornei a passar defronte da casa negra... Jesus...

— Que foi?

— As jinellas estabam abertas, e d'ellas sahia uma luz, que luz! Ai S. Bento; — era uma luz azulada, e n'uma das jinellas estava uma cara, que botaba lume pela boca, nariz, e olhos!

— Ai! S. Sipriano — vocemecê está certa de ber isso?

— Se estou certa! Certa como estou de que logo quando os sinos tocarem pelos mortos elles hão-de bir em percição á roda da igreja.

— Eu fiquei parba de medo, e oubi gritos e gemidos que sahiam d'essa casa amaldiçoada, e a estes gritos, e a estes gemidos, respondiam outras vozes, se aquilo eram vozes, cantando umas cantigas, que só o diabo as entendia; e depois senti que dançava lá dentro; de novo oubi os gritos e os gemidos, e o phantasma não de mobia da jinella, e continuava a lançar chamas pelos olhos, nariz e boca...

— Cale-se, pelas chagas de Christo, tia Entonha: como pôde vocemecê vêr isso e não morrer?

— Eu levava comigo a correia de Santo Agostinho, e as bentinhas da Senhora do Carmo, benzi-me com ellas tres bezes, dixe o credo em cruz e botei a fugir para casa.

Eu queria que o Entonho do Curral oubise isto, esse que se ri quando a gente falla de bruxas, e de espritos!!!

— Esse rapaz anda fóra da graça de Deus — accrescentou a snr.a Brizida.

— O outro dia — disse uma das velhas — vinha o meu Joquim do monte com as ovelhas e biu dois homes (cuidou elle que eram homes) que passeiavam no mais espesso do bosque que rodeia a casa negra, elle faz-se acercando d'elles cautelosamente para lhe oubir o que diziam... eis se não quando abriu a terra debaixo de seus pés, e os dois tinhosos, que outra coisa não eram, sumiram-se nas entranhas da terra!!

— Cruzes, Anjo Bento, que medo — murmurou a snr.a Antonia, benzendo-se.

— E' que o Joquim perdeu-os de bista, e elles tornaram para outro caminho do bosque — acrescentou a snr.a Brizida, com ares de duvida.

— Não, senhora, o meu Joquim estaba tão perto d'elles que se não podiam esgueirar sem elle os ber e elle diz que se sumiram na terra.