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VIAGENS MARAVILHOSAS

cair em torrentes, — e por isso fez um esforço, ergueu-se, e firmando-se na espingarda, como se fosse uma bengala, começou a descer a montanha.

Como foi que elle chegou abaixo? Eis o que elle proprio teria muita difficuldade em explicar. Umas vezes rolando pelas encostas encharcadas, outras vezes deixando-se escorregar pelos rochedos humidos, magoado, offegante, com a vista perdida, extenuado pela febre, conseguiu comtudo continuar o caminho, e chegou cerca do meio dia ao acampamento onde tinha deixado a girafa.

O animal tinha partido, sem duvida impacientado com a solidão e talvez apertado pela fome, porque a herva estava completamente cortada em todo o circulo, cujo raio era a corda que o prendia. De modo que por ultimo poz-se a roer a prisão e d'essa forma conseguira libertar-se.

Cypriano teria de certo lastimado muito mais aquelle novo golpe da sua má sorte, se estivesse no seu estado normal; mas o cansaço extremo e a prostração nem sequer lhe deram força para isso. Quando chegou, apenas pôde pegar na sua maleta impermeavel, que por felicidade encontrou, vestir roupa enxuta, e depois, esmagado pela fadiga, atirar-se para o chão ao abrigo de um baobab que assombrava o acampamento.

Começou então para elle um periodo phantastico de meio somno, febre e delirio, em que todas as noções se confundiam, em que nem o espaço, nem o tempo, nem as distancias tinham já realidade. Era noite ou dia? Chovia ou fazia sol? Estava ali ha doze horas ou ha sessenta? Nada sabia. Os sonhos graciosos e os pezadellos terriveis succediam-se sem descanso no theatro da sua imaginação. París, a escola de minas, o lar paterno, a granja de Vandergaart-Kopje, miss Watkins, Annibal Pantalacci, Hilton, Friedel e legiões de elephantes, Matakit e bandos de aves espalhadas por um céu sem limites.