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VIAGENS MARAVILHOSAS

saria, outras um amigo como Cypriano, que nunca se recusava a prestar-lhe esse serviço por mera cortezia.

De mistura com o trabalho conversava-se. Muitas vezes mesmo Jacobus Vandergaart, pondo os oculos para a testa, parava de repente para contar alguma anedocta dos tempos passados. Effectivamente sabia tudo a respeito d'aquella Africa austral, onde habitava havia quarenta annos. E a sua conversação tinha tanto encanto exactamente porque reproduzia a tradição do paiz — tradição ainda fresca e viva.

Em primeiro logar o velho lapidario nunca tinha diques para as suas queixas patriotas e pessoaes. Na sua opinião os inglezes eram os espoliadores mais abominaveis que têem apparecido no mundo. Comtudo devemos deixar-lhe a responsabilidade das suas opiniões, um pouco exageradas, — e perdoar-lh'as talvez.

— Não admira nada, repetia elle de bom grado, que os Estados Unidos da America se declarassem independentes; a India e a Australia não hão de tardar muito a fazer o mesmo! Pois qual é o povo que quer tolerar similhante tyrannia! ?... Ah! senhor Méré, se o mundo soubesse todas as injustiças semeadas pelo globo por estes inglezes, tão soberbos com os seus guineus e com o seu poder naval, não haveria na linguagem dos homens sufficientes insultos para lhes atirar á cara!

Cypriano não approvava nem reprovava, ouvia sem dizer palavra.

— Quer o senhor que lhe conte o que elles fizeram a este seu creado? continuava Jacobus Vandergaart animando-se. Ouça e dir-me-ha se n'este caso póde haver duas opiniões diversas!

E como Cypriano lhe affirmasse que nada lhe daria mais gosto, o velhote continuou assim:

— Nasci em Amsterdam em 1806 durante uma viagem que