“Sabe Alberto...” afirma Soriano “o ano de 1920 me trouxe coisas boas e outras não tão boas assim”.

“Deve estar referindo-se ao Coche 1920 que estávamos apreciando lá fora?” pergunta Santós tentando perplexamente entender a vaga afirmação do amigo espanhol. “sim” responde prontamente Soriano “o Coche foi sem duvida um bom acontecimento, no entanto foi também no ano de 1920 que me separei de Maria... Biarritz não é mais a mesma, já se passaram oito anos e ainda assim sinto sua falta.”

“Vejo que o numero 8 não persegue só a mim” afirma Santos causando desta vez perplexidade em Soriano “A oito anos não está mais ao lado de sua amada, a oito anos também construíste aquela maravilha estacionada lá fora, no dia 08 de agosto (mês oito) sofri um terrível acidente no Hotel Trocaderó, outros tantos oitos assombraram terrivelmente minha vida...”

Soriano interrompe bruscamente Santós enquanto gentilmente segura seu braço com a mão esquerda e com a direita, aponta para uma poltrona confortável um pouco mais afastada de sua mesa de trabalho.

“Vamos, sente-se Alberto, deve estar cansado. Sei o quão cansativa é esta viagem de Paris a Biarritz.”

Soriano acompanhava atentamente as noticias sobre as constantes internações de Santos, era bastante consciente de seu estado nervoso e temendo que o assunto do numero oito pudesse desencadear mais aborrecimento inicia um outro muito mais prazeroso “percebi em seu olhar que estava encantado ao ver o motor do Coche” indaga Soriano “percebo que as maquinas a explosão te deixam em estado de êxtase”.

“De fato” segue Santós “Fiz o que fiz no campo da aeronáutica depois de me apaixonar por um motor a petróleo”. Soriano ri de tal afirmação enquanto Santós continua sua narrativa com um certo sorriso nos lábios “é verdade, o motor a petróleo me abriu perspectivas, tornou viável meus sonhos. Lembro-me como se fosse ontem.

Em 1891, decidiu a minha família fazer uma viagem a Paris. A perspectiva causou-me dupla satisfação. Paris é, como se diz, o lugar para onde emigra a alma dos bons Americanos quando morrem.” risadas “Para mim, de acordo com a convicção adquirida em leituras, a França, terra dos avoengos de meu pai, que fizera seu curso de engenheiro na Escola Central, representava a própria grandeza e o progresso.

Na França é que fora lançado o primeiro balão cheio com hidrogênio, que voara a primeira aeronave com sua maquina a vapor, seu propulsor de hélice e seu leme. Naturalmente eu acreditava que a questão havia avançado consideravelmente desde a data em que, em 1852, Henri Giffard, com uma coragem tão grande quanto a sua ciência, havia demonstrado de maneira magistral a possibilidade de dirigir um balão munido com um motor a vapor. No entanto, sabia que os motores a vapor são engenhocas desengonçadas e pesadas, e que o futuro da navegação aérea definitivamente não estava nas maquinas a vapor.

Ninguém havia, depois de Giffard, prosseguido experiências com balões alongados, propelidos por motor térmico. O ensaio de balões similares, a motor elétrico, tentado pelos irmãos Tissandier em 1883, havia sido retomado por dois construtores no ano seguinte, mas fora devidamente abandonado em 1885 pois carecia de potencia, as baterias eram enormes e pesadas, e não proporcionavam autonomia. Desde anos, não se via nos ares um só balão em forma de charuto. Sabia que a resposta para a dirigibilidade dos balões estava próxima, mas de uma estranha forma sabia também que esta equação carecia de um algarismo X. Este algarismo se apresentou a mim, e devo confessar que foi amor a primeira vista, no Palácio das Industrias da grande Exposição Universal de Paris. Em visita que fiz acompanhado de meu pai percorríamos os vários corredores apinhados de inventos.

36