A REVISTA

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flete os rubores na areia das práias. Assim êle. Que desejaria eu, Deus dos cristãos ! Queria querer. Era uma das razões do mal-estar, meu tedio. Carecia dessa dinamica do desejo, causa assú pela qual a vida interessa. Veja agora como o criado me serviu. Quando me deu o boa-tarde com a deiscencia dos labios rindo e os dentes decorativos comecei a me interessar desde logo. Me interessar, intranzitivamente, sem complemento direto, reação. Misturadamente ele me falou da beleza da tarde e precisão em que eu estava, de outra terra (descobrira em mim o paulista aliás coisa facil pelo paulista que está sempre do lado de fora dos paulistas) precisão de ir ver a queda da noite no Pão-de Açúcar e do extraordinario cocktail propriedade da casa. Senti a delicia da bora me orgulhei de São Paulo e pedi o cocktail. Entretanto ai me pusera de novo a viver já interessado permanecia em mim a sensação de falta, pobreza, de omissão. Não estava ainda feliz. E bebia mal o cocktail tão detestavel como todos os cocktails. De vez em quando o meu garçon passava rapido mas bamboleante pelo meu olhar. Era que nem dansa habilissima que mal tocava o chão. O bailarino parecia feliz. Me regava de prazer como vaporizador benefico. Seus olhos de tanta luz me agasalhavam, se interessavam por mim, eu sabia...

— Já venho.

E foi levar o cocktail propriedade da casa outro fregues. “Já venho" porquê? Não o chamara. Mas já se aproximava sem me dar tempo pra sofrer com a inquietação. Lhe percebi no olhar um momento de intensa procura. Disfarçou dispondo milhor uma cadeira. Limpou o marmore limpo da mesa mostrando o punho suficiente. Muito calmo, arrastando o gesto.

— O senhor desejaría... cigarros ?... fosforos !

Isso. Queimara fazia pouco meu último fosforo. Em breve lá fora talvez no bonde talvez na Atlantica sem "charutarias metendo na boca o cigarro me faltaria fogo. Nem era propriamente a ante-sensação da contrariedade que me anulava o bem-estar atual e me deixava assim quasi infeliz. Era a falta imediata de fosforos mesmo sem vontade de fumar. O fumador carece de fosforos á mão mesmo que não esteja pra fumar. Carece de fosforos. Só isso. Lá vinha êle com os fosforos. Rasgara o sêlo que tanto impertina quando a gente abre caixa nova. Fazia a caixeta correr no resguardo me livrando assim de inuteis pequenininhos esforços futuros. Fiquei completamente feliz. Jantei bem. Fui no cinema. Beijei com os olhos todas as mulheres que encontrei e.

Genial garçon ! Fosse eu rico êle seria meu, meu pra sempre! meu até a morte !...

Incompetencia pra adivinhar os fosforos eis o principal defeito do Kelner alemão. Nunca desejará pela gente. Jamais em tempo algum ha-de ajudar a gente a querer. Fica sentado em cima dum rochedo qual junto dum penedo outro penedo, mudo loiro frio, muito loiro e frio... Não nego tenha qualidades servis. E' mesmo quasi sempre solicito e discreto. Mas duma solicitude que irrita e discreção que fere.