A cidade e as serras
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o rumor, como se um vento brando me levasse, continuaram a tropeçar em livros no corredor apagado, depois na areia do jardim que o luar branqueava, depois na Avenida dos Campos-Elyseos, povoada e ruidosa como n’uma festa civica. E, oh portento! todas as casas aos lados eram construidas com livros. Nos ramos dos castanheiros ramalhavam folhas de livros. E os homens, as finas damas, vestidos de papel impresso, com titulos nos dorsos, mostravam em vez de rosto um livro aberto, a que a brisa lenta virava docemente as folhas. Ao fundo, na Praça da Concordia, avistei uma escarpada montanha de livros, a que tentei trepar, arquejante, ora enterrando a perna em flacidas camadas de versos, ora batendo contra a lombada, dura como calhau, de tomos de Exegese e Critica. A tão vastas alturas subi, para além da terra, para além das nuvens, que me encontrei, maravilhado, entre os astros. Elles rolavam serenamente, enormes e mudos, recobertos por espessas crostas de livros, d’onde surdia, aqui e além, por alguma fenda, entre dois volumes mal juntos, um raiosinho de luz suffocada e anciada. E assim ascendi ao Paraiso. Decerto era o Paraiso — porque com meus olhos de mortal argila avistei o Ancião da Eternidade, aquelle que não tem Manhã nem Tarde. N’uma claridade que d’elle irradiava