A CIDADE E AS SERRAS

Então, curado, todo o meu espírito, como uma agulha para o Norte, se virou logo para o meu complicado Príncipe, que, nas derradeiras semanas da minha infecção sentimental, eu entrevira sempre descaído por cimo de sofás, ou vagueando através da Biblioteca entre os seus trinta mil volumes, com arrastados bocejos de inércia e de vacuidade. Eu, na minha pressa indigna, só lhe lançava um distraído — «que é isso?» Ele, no seu moroso desalento, só murmurava um seco — «é calor!»

E, nessa manhã da minha libertação, ao penetrar antes de almoço no seu quarto, no sofá o encontrei enterrado, com o Fígaro aberto sobre a barriga, a Agenda caída sobre o tapete, toda a face envolta em sombra, e os pés abandonados, numa soberana tristeza, ao pedicuro que lhe polia as unhas. Decerto o meu olhar realumiado e repurificado, a brancura das minhas flanelas reproduzindo a quietação das minhas sensações, e a segura harmonia em que todo o meu ser visivelmente se movia, impressionaram o meu Príncipe — a quem a melancolia nunca embotava a agudeza. Ergueu molemente um braço mole:

— Então esse capricho?

Derramei sobre ele todo o fulgor dum riso vitorioso:

— Morto! E, como o Sr. de Marlborough, «morto e bem enterrado». Jaz! Ou antes, rola! Com efeito deve andar agora rolando por dentro do cano do esgoto!

Jacinto bocejou, murmurou:

— Este Zé Fernandes de Noronha e Sande!...

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