A CIDADE E AS SERRAS

cinzenta, a Cidade jazia, toda cinzenta, como uma vasta e grossa camada de caliça e telha. E, na sua imobilidade e na sua mudez, algum rolo de fumo, mais ténue e ralo que o fumear dum escombro mal apagado, era todo o vestígio visivel da sua vida magnífica.

Então chasqueei risonhamente o meu Príncipe. Aí estava pois a Cidade, augusta criação da Humanidade. Ei-la aí, belo Jacinto! Sobre a crosta cinzenta da Terra — uma camada de caliça, apenas mais cinzenta! No entanto ainda momentos antes a deixáramos prodigiosamente viva, cheia dum povo forte, com todos os seus poderosos órgãos funcionando, abarrotada de riqueza, resplandecente de sapiência, na triunfal plenitude do seu orgulho, como Rainha do Mundo coroada de Graça. E agora eu e o belo Jacinto trepávamos a uma colina, espreitávamos, escutávamos — e de toda a estridente e radiante Civilização da Cidade não percebíamos nem um rumor nem um lampejo! E o 202, o soberbo 202, com os seus arames, os seus aparelhos, a pompa da sua Mecânica, os seus trinta mil livros? Sumido, esvaído na confusão de telha e cinza! Para este esvaecimento pois da obra humana, mal ela se contempla de cem metros de altura, arqueja o obreiro humano em tão angustioso esforço? Hem, Jacinto?... Onde estão os teus Armazéns servidos por três mil caixeiros? E os Bancos em que retine o ouro universal? E as Bibliotecas atulhadas com o saber dos séculos? Tudo se fundiu numa nódoa parda que suja a Terra. Aos olhos piscos de um Zé Fernandes, logo que ele suba, fumando o seu cigarro, a uma arredada colina — a sublime

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