A CIDADE E AS SERRAS

Maurício atirou um gesto desdenhoso e largo, que sacudia um mundo: — Oh! Há mais dum ano que me separei dessa bicharia herética... Uma turba indisciplinada, meu Jacinto! Nenhuma fixidez, um diletantismo estonteado, carência completa e cómica de toda a base experimental... Quando tu ias aos Lamotte-Orcel, e à Parola do 37, e à Cerveja ideal, o que reinava?...

Jacinto catou lentamente as suas recordações por entre os pêlos do bigode:

— Eu sei!... Reinava Wagner e a Mitologia Eddica, e o Raganarock, e as Normas... Muito Pré-Rafaelismo também, e Montagna, e Fra-Angélico... Em moral, o Renanismo.

Maurício sacudia os ombros. Oh, tudo isso pertencia a um passado arcaico, quase lacustre! Quando Madame de Lamotte-Orcel remobilara a sala com veludos Morris, grossas alcachofras sobre tons de açafrão, já o Renanismo passara, tão esquecido como o Cartesianismo...

— Tu ainda és do tempo do culto do Eu?

O meu Príncipe suspirou risonhamente:

— Ainda o cultivei.

— Pois bem! Logo depois foi o Hartmanismo, o Inconsciente. Depois o Nietzismo, o Feudalismo espiritual... Depois grassou o Tolstoismo, um furor imenso de renunciamento neocenobítico. Ainda me lembro dum jantar em que apareceu um mostrengo dum eslavo, de guedelha sórdida, que atirava olhos medonhos para o decote da pobre condessa de Arche, e que grunhia com o dedo espetado: — «Busquemos a luz, muito por baixo, no pó da terra!» — E à sobremesa bebemos à

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