A CIDADE E AS SERRAS

tédio — na esperança de o vencer logo que lhe conhecesse bem a origem e a potência. E o meu pobre Jacinto reproduziu a comédia pouco divertida dum Melancólico que perpetuamente raciocina a sua Melancolia! Nesse raciocínio, ele partia sempre do facto irrecusável e maciço — que a sua vida especial de Jacinto continha todos os interesses e todas as facilidades, possíveis no século xix, numa vida de homem que não é um Génio, nem um Santo. Com efeito! Apesar do apetite embotado por doze anos de Champanhes e molhos ricos ele conservava a sua rijeza de pinheiro bravo; na luz da sua inteligência não aparecera nem tremor nem morrão; a boa terra de Portugal, e algumas Companhias maciças, pontualmente lhe forneciam a sua doce centena de contos; sempre activas e sempre fiéis o cercavam as simpatias duma Cidade inconstante e chasqueadora; o 202 estourava de confortos; nenhuma amargura de coração o atormentava; — e todavia era um Triste. Porquê?... E daqui saltava, com certeza fulgurante, à conclusão de que a sua tristeza, esse cinzento burel em que a sua alma andava amortalhada, não provinha da sua individualidade de Jacinto — mas da Vida, do lamentável, do desastroso facto de Viver! E assim o saudável, intelectual, riquíssimo, bem acolhido Jacinto tombara no Pessimismo.

E um Pessimismo irritado! Porque (segundo afirmava) ele nascera para ser tão naturalmente optimista como um pardal ou um gato. E, até aos doze anos, enquanto fora um bicho superiormente amimado, com a sua pele sempre bem coberta, o seu prato sempre bem cheio, nunca sentira

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