inconsciente que marcha sob a canga e o aguilhão. Já não esperava da Vida contentamento — nem mesmo se lastimava que ela lhe trouxesse tédio ou pena. «Tudo é indiferente, Zé Fernandes!» E tão indiferentemente sairia à sua janela para receber uma Coroa Imperial oferecida por um Povo — como se estenderia numa poltrona rota para emudecer e jazer. Sendo tudo inútil, e não conduzindo senão a maior desilusão, que podia importar a mais rutilante actividade ou a mais desgostada inércia? O seu gesto constante, que me irritava, era encolher os ombros. Perante duas ideias, dois caminhos, dois pratos, encolhia os ombros! Que importava?... E no mínimo acto, raspar um fósforo ou desdobrar um Jornal, punha uma morosidade tão desconsolada que todo ele parecia ligado, desde os dedos até à alma, pelas voltas apertadas duma corda que se não via e que o travava.
Muito desagradàvelmente me recordo do dia dos seus anos, a 10 de Janeiro. Cedo, de manhã, recebera, com uma carta de Madame de Trèves, um açafate de camélias, azáleas, orquídeas e lírios do vale. E foi este mimo que lhe recordou a data considerável. Soprou sobre as pétalas o fumo do cigarro a murmurou com um riso de lento escárnio:
— Então, há trinta e quatro anos que eu ando nesta maçada?
E como eu propunha que telefonássemos aos amigos para beberem no 202 o Champanhe do «Natalício» — ele recusou, com o nariz enojado.