A CIDADE E AS SERRAS

— V. ex.as não têm nada a declarar?... Não há malinhas de mão?...

Era a minha terra! Murmurei baixinho com imensa ternura:

— Não temos aqui nada... Pergunte v. ex.a pelo Grilo... Aí atrás, num compartimento... Ele tem as chaves, tem tudo... É o Grilo.

A fardeta desapareceu, sem rumor, como sombra benéfica. E eu readormeci com o pensamento em Guiães, onde a tia Vicência, atarefada, de lenço branco cruzado no peito, decerto já preparava o leitão.

Acordei envolto num largo e doce silêncio. Era uma Estação muito sossegada, muito varrida, com rosinhas brancas trepando pelas paredes — e outras rosas em moutas, num jardim, onde um tanquezinho abafado de limos dormia sob duas mimosas em flor que recendiam. Um moço pálido, de paletó cor de mel, vergando a bengalinha contra o chão, contemplava pensativamente o comboio. Agachada rente à grade da horta, uma velha, diante da sua cesta de ovos, contava moedas de cobre no regaço. Sobre o telhado secavam abóboras. Por cima rebrilhava o profundo, rico e macio azul de que meus olhos andavam aguados.

Sacudi violentamente Jacinto:

— Acorda, homem, que estás na tua terra!

Ele desembrulhou os pés do meu paletó, cofiou o bigode, e veio sem pressa, à vidraça que eu abrira, conhecer a sua terra.

— Então é Portugal, hem?... Cheira bem.

— Está claro que cheira bem, animal!

A sineta tilintou languidamente. E o comboio deslizou, com descanso, como se passeasse

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