Príncipe rugia, com a indignação dum poeta que descobre um merceeiro bocejando sobre Shakespeare ou Musset. Eu ria.
— Meu filho, olha que eu não passo dum pequeno proprietário. Para mim não se trata de saber se a terra é linda, mas se a terra é boa. Olha o que diz a Bíblia! «Trabalharás a quinta com o suor do teu rosto!» E não diz «contemplarás a quinta com o enlevo da tua imaginação!»
— Pudera ! — exclamava o meu Príncipe. — Um livro escrito por Judeus, por ásperos semitas, sempre com o turvo olho posto no lucro! Repara, homem, para aquele bocadinho de vale, e consegue não pensar, por um momento, nos trinta mil-réis que ele rende! Verás que pela sua beleza e graça ele te dá mais contentamento à alma que os trinta mil-réis ao corpo. E na vida só a alma importa.
Recolhendo ao casarão, já o encontrávamos com as janelas meio cerradas, os soalhos borrifados para aquelas quentes réstias de Sol de Junho, que depois do almoço docemente nos retinham na livraria, preguiçando.
Mas realmente a alegre actividade do meu Príncipe não cessava, nem amolecia, sob o peso da sesta. A essa hora, enquanto pelo arvoredo mudo os mais agitados pardais dormiam, e o Sol mesmo parecia repousar, imóvel na rutilância da sua luz, Jacinto com o espírito acordado, — ávido de sempre gozar, agora que reconquistara essa faculdade, — tomava com delícia o seu livro. Porque o dono de trinta mil volumes era agora, na sua casa de Tormes, depois de ressuscitado, o homem que só tem um livro. Essa mesma Natureza,