copo, apresentei Jacinto, que corara, embaraçado.
— Pois aqui o tem, o senhor de Tormes, que fez por aí todo esse bem à pobreza.
O velho atirou para ele bruscamente o braço, que saía cabeludo e quase negro, duma manga muito curta.
— A mão!
E quando Jacinto lha deu, depois de arrancar vivamente a luva, João Torrado longamente lha reteve com um sacudir lento e pensativo, murmurando:
— Mão real, mão de dar, mão que vem de cima, mão já rara!
Depois tomou o copo, que lhe oferecia o Torto, bebeu com imensa lentidão, limpou as barbas, deu um jeito à correia que lhe prendia a caixa de lata, e batendo com a ponta do cajado no chão:
— Pois louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo, que por aqui me trouxe, que não perdi o meu dia, e vi um homem!
Eu então debrucei-me para ele, mais em confidência:
— Mas, ó tio João, ouça cá! Sempre é certo você dizer por aí, pelos sítios, que El-Rei D. Sebastião voltara?
O pitoresco velho apoiou as duas mãos sobre o cajado, o queixo de espalhada barba sobre as mãos, e murmurava, sem nos olhar, como seguindo a percussão dos seus pensamentos:
— Talvez voltasse, talvez não voltasse... Não se sabe quem vai, nem quem vem. A gente vê os corpos, mas não vê as almas que estão dentro. Há corpos de agora com almas de outrora. Corpo é vestido,