A CIDADE E AS SERRAS

E, todavia, nada mudara durante esses sete anos no jardim do 202 ! Ainda entre as duas áleas bem areadas se arredondava uma relva, mais lisa e varrida que a lã dum tapete. No meio o vaso coríntico esperava Abril para resplandecer com túlipas e depois Junho para transbordar de margaridas. E ao lado das escadas limiares, que uma vidraçaria toldava, as duas magras Deusas de pedra, do tempo de D. Galião, sustentavam as antigas lâmpadas de globos foscos, onde já silvava o gás.

Mas dentro, no peristilo, logo me surpreendeu um elevador instalado por Jacinto — apesar do 202 ter somente dois andares, e ligados por uma escadaria tão doce que nunca ofendera a asma da sr.a D. Angelina! Espaçoso, tapetado, ele oferecia, para aquela jornada de sete segundos, confortos numerosos, um divã, uma pele de urso, um roteiro das ruas de Paris, prateleiras gradeadas com charutos e livros. Na antecâmara, onde desembarcámos, encontrei a temperatura macia e tépida duma tarde de Maio, em Guiães. Um criado, mais atento ao termómetro que um piloto à agulha, regulava destramente a boca dourada do calorífero. E perfumadores entre palmeiras, como num terraço santo de Benares, esparziam um vapor, aromatizando e salutarmente humedecendo aquele ar delicado e superfino.

Eu murmurei, nas profundidades do meu assombrado ser:

— Eis a Civilização!

Jacinto empurrou uma porta, penetrámos numa nave cheia de majestade e sombra, onde reconheci a Biblioteca por tropeçar numa pilha monstruosa

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