A CIDADE E AS SERRAS

nas ruas longas, nas milhas de casario, todo de caliça parda, eriçado de chaminés de lata negra, com as janelas sempre fechadas, as cortininhas sempre corridas, abafando, escondendo a vida. Só tijolo, só ferro, só argamassa, só estuque; linhas hirtas, ângulos ásperos; tudo seco; tudo rígido. E dos chãos aos telhados, por toda a fachada, tapando as varandas, comendo os muros, Tabuletas, Tabuletas...

— Oh, este Paris, Jacinto, este teu Paris ! Que enorme, que grosseiro bazar!

E, mais para sondar o meu Príncipe do que por persuasão, insisti na fealdade e tristeza destes prédios, duros armazéns, cujos andares são prateleiras onde se apinha humanidade! E uma humanidade impiedosamente catalogada e arrumada! A mais vistosa e de luxo nas prateleiras baixas, bem envernizadas. A reles e de trabalho nos altos, nos desvãos, sobre pranchas de pinho nu, entre o pó e a traça...

Jacinto murmurou, com a face arrepiada:

— É feio, é muito feio!

E acudiu logo, sacudindo no ar a luva de anta:

— Mas que maravilhoso organismo, Zé Fernandes! Que solidez! Que produção!

Onde Jacinto me parecia mais renegado era na sua antiga e quase religiosa afeição pelo Bosque de Bolonha. Quando moço, ele construíra sobre o Bosque teorias complicadas e consideráveis. E sustentava, com olhos rutilantes de fanático, que no Bosque a Cidade cada tarde ia retemperar salutarmente a sua força, recebendo, pela presença das suas Duquesas, das suas Cortesãs, dos seus Políticos, dos seus Financeiros, dos

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