A CIDADE E AS SERRAS

desastre. Diante do portão, atraídas pela fumarada que se escapava das janelas, estacionava polícia, uma multidão. E na escada esbarrei com um repórter, de chapéu para a nuca, a carteira aberta, gritando sofregamente «se havia mortos?»

Domada a água, clareada a bruma, vim encontrar Jacinto no meio do quarto, em ceroulas, lívido:

— Oh Zé Fernandes, esta nossa indústria!... Que impotência, que impotência! Pela segunda vez, este desastre! E agora, aparelhos perfeitos, um processo novo...

— E eu encharcado por esse processo novo ! E sem outra casaca!

Em redor, as nobres sedas bordadas, os brocatéis Luís XIII, cobertos de manchas negras, fumegavam. O meu Príncipe, enfiado, enxugava uma fotografia de Madame de Oriol, de ombros decotados, que o jorro bruto maculara de empolas. E eu, com rancor, pensava que na minha Guiães a água aquecia em seguras panelas — e subia ao meu lavatório, pela mão forte da Catarina, em seguras infusas! Não jantámos com o duque de Marizac, no Clube. E, na Ópera, nem saboreei Lohengrin e a sua branca alma e o seu branco cisne e as suas brancas armas — entalado, aperreado, cortado nos sovacos pela casaca que Jacinto me emprestara e que rescendia estonteadoramente a flores de Nessari.


No domingo, muito cedo, o Grilo, que na véspera escaldara as mãos e as trazia embrulhadas em seda, penetrou no meu quarto, descerrou as

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