A CIDADE E AS SERRAS

descera, enfiado, mandou buscar um engenheiro à Companhia Central da Electricidade Doméstica. Por precaução outro criado correu à mercearia comprar pacotes de velas. E o Grilo desenterrava já dos armários os candelabros abandonados, os pesados castiçais arcaicos dos tempos incientíficos de D. Galião: era uma reserva de veteranos fortes, para o caso pavoroso em que mais tarde, à ceia, falhassem perfidamente as forças bisonhas da Civilização. O Electricista, que acudira esbaforido, afiançou porém que a Electricidade se conservaria fiel, sem outro amuo. Eu, cautelosamente, soneguei na algibeira dois cotos de estearina.

A Electricidade permaneceu fiel, sem amuos. E quando desci do meu quarto, tarde (porque perdera o colete de baile e só depois duma busca furiosa e praguejada o encontrei caído por trás da cama!), todo o 202 refulgia, e os Tziganes, na antecâmara, sacudindo as guedelhas, atiravam as arcadas duma valsa tão arrastadora que, pelas paredes, os imensos Personagens das tapeçarias, Príamo, Nestor, o engenhoso Ulisses, arfavam, buliam com os pés venerandos!

Timidamente, sem rumor, puxando os punhos, penetrei no gabinete de Jacinto. E fui logo acolhido pelo sorriso da condessa de Trèves, que, acompanhada pelo ilustre historiador Danjon (da Academia Francesa), percorria maravilhada os Aparelhos, os Instrumentos, toda a sumptuosa Mecânica do meu supercivilizado Príncipe. Nunca ela me parecera mais majestosa do que naquelas sedas cor de açafrão, com rendas cruzadas no peito à Maria Antonieta, o cabelo crespo e ruivo

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