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sar, e o sentir, e o viver, e o parecer da classe eclesiástica em Portugal. Com efeito, por fora, na casca, Padre Salgueiro é o costumado e corrente padre português, gerado na gleba, desbravado e afinado depois pelo Seminário, pela frequentação das autoridades e das Secretarias, por ligações de confissão e missa com fidalgas que têm capela, e sobretudo por longas residências em Lisboa, nestas casas de hóspedes da Baixa, infestadas de literatura e política. O peito bem arcado, de fôlego fundo, como um fole de forja; as mãos ainda escuras, ásperas, apesar do longo contacto com a alvura e doçura das hóstias; o carão cor de couro curtido, com um sobretom azul nos queixos escanhoados; a coroa lívida entre o cabelo mais negro e grosso que pêlos de crina; os dentes escaroladamente brancos—tudo nele pertence a essa forte plebe agrícola de onde saiu, e que ainda hoje em Portugal fornece à Igreja todo o seu pessoal, pelo desejo de se aliar e de se apoiar à única grande instituição humana que, realmente, compreende e de que não desconfia. Por dentro, porém, como miolo, Padre Salgueiro apresenta toda uma estrutura moral deliciosamente pitoresca e nova para quem, como eu, do Clero Lusitano só entrevira exterioridades, uma batina desaparecendo pela porta duma sacristia, um velho lenço de rapé posto na borda dum confessionário, uma sobrepeliz alvejando numa tipoia atrás dum morto...

O que em Padre Salgueiro me encantou logo, na noite em que tanto palestramos, rondando pachorrentamente o Rossio,