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os pães multiplicados nas bodas de Canaã, o azorrague caindo sobre os vendilhões do Templo, certas expulsões de Demônios, nada sabe do Evangelho— que considera todavia muito bonito. À doutrina de Jesus é tão alheio como à Filosofia de Hegel. Da Bíblia também só conhece episódios soltos, que aprendeu certamente em oleografias—a Arca de Noé, Sansão arrancando as portas de Gaza, Judite degolando Holofernes. O que também me diverte, nas noites amigas em que conversamos na Travessa da Palha, é o seu desconhecimento absolutamente cândido das origens, da história da Igreja. Padre Salgueiro imagina que o Cristianismo se fundou de repente, num dia (decerto um domingo), por milagre flagrante de Jesus Cristo:—e desde essa festiva hora tudo para ele se esbate numa trava incerta, onde vagamente reluzem nimbos de santos e tiaras de papas, até Pio IX. Não admira, porém, na obra pontifical de Pio IX, nem a Infalibilidade, nem o Syllabus:—porque se preza de liberal, deseja mais progresso, bem-diz os benefícios da instrução, assina O Primeiro de Janeiro.

Onde eu também o acho superiormente pitoresco, é cavaqueando acerca dos deveres que lhe incumbem como pastor de almas—os deveres para com as almas. Que ele, por continuação de uma obra divina, esteja obrigado a consolar dores, pacificar inimizades, dirigir arrependimentos, ensinar a cultura da bondade, adoçar a dureza dos egoísmos, é para o benemérito Padre Salgueiro a mais estranha e incoerente