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— Vejo então — disse ele — que é um devoto do maganão das Flores do Mal!

Corei, àquele espantoso termo de maganão. E, muito grave, confessei que para mim Baudelaire dominava, à maneira de um grande astro, logo abaixo de Hugo, na moderna Poesia. Então Fradique, sorrindo paternalmente, afiançou que bem cedo eu perderia essa ilusão! Baudelaire (que ele conhecera), não era verdadeiramente um poeta. Poesia subentendia emoção: e Baudelaire, todo intelectual, não passava dum psicólogo, dum analista — um dissecador subtil de estados mórbidos. As Flores do Mal continham apenas resumos críticos de torturas morais que Baudelaire muito finamente compreendera, mas nunca pessoalmente sentira. A sua obra era como a de um patologista, cujo coração bate normal e serenamente, enquanto descreve, à banca, numa folha de papel, pela erudição e observação acumuladas, as perturbações temerosas duma lesão cardíaca. Tanto assim que Baudelaire compusera primeiro em prosa as Flores do Mal — e só mais tarde, depois de retificar a justeza das análises, as passara a verso, laboriosamente, com um dicionário de rimas!... De resto em França (acrescentou o estranho homem) não havia poetas. A genuína expressão da clara inteligência francesa era a prosa. Os seus mais finos conhecedores prefeririam sempre os poetas, cuja poesia se caracterizasse pela precisão, lucidez, sobriedade — que são qualidades de prosa; e um poeta tornava-se tanto mais popular quanto mais visivelmente possuía o gênio do