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alastrava-se um homem gordo e mole, cuja vasta face, de barbas encaracoladas, cheia de força tranquila como a de um Júpiter, eu já decerto encontrara algures, ou viva ou em mármore. E caí logo nesta preocupação. Em que rua, em que museu admirara eu já aquele rosto olímpico, onde apenas a fadiga do olhar, sob as pálpebras pesadas, traía a argila mortal?

Terminei por perguntar ao negro de Seneh que servia o macarrão. O selvagem escancarou um riso de faiscante alvura no ébano do carão redondo, e, através da mesa, grunhiu com respeito: — Cé-le-diêu... Justos Céus! Le Dieu! Intentaria o negro afirmar que aquele homem de barbas encaracoladas era um deus! — o deus especial e conhecido que habitava o Sheperd! Fora pois num altar, numa tela devota, que eu vira essa face, dilatada em majestade pela absorção perene do incenso e da prece? De novo interroguei o Núbio, quando ele voltou erguendo nas mãos espalmadas uma travessa que fumegava. De novo o Núbio me atirou, em silabas claras, bem feridas, dissipando toda a incerteza — C’est le Dieu!

Era um Deus! Sorri a esta ideia de literatura—um Deus de rabona, jantando à mesa do Hotel Sheperd. E, pouco a pouco, da minha imaginação esfalfada foi-se evolando não sei que sonho, esparso e tênue, como o fumo que se eleva de uma braseira meio apagada. Era sobre o Olimpo, e os velhos