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serena reproduzia as feições com que Júpiter se revelou à Escola de Atenas — fosse na realidade Júpiter, o Tonante, o Fecundador, pai inesgotável dos Deuses, criador da Regra e da Ordem. Mas que motivo o traria ali, vestido de flanela azul, pelo Cairo, pelo Hotel Sheperd, comendo um macarrão que profanadoramente se prendia às barbas divinas, por onde a ambrósia escorrera? Certamente o doce motivo que através da Antiguidade, em Céu e Terra, sempre inspirara os atos de Júpiter — do frascário e femeeiro Júpiter, O que o podia arrastar ao Cairo senão alguma saia, esse desejo esplendidamente insaciável de deusas e de mulheres — que outrora tornava pensativas as donzelas da Helênia ao decorarem, na Partilha Pagã, as datas em que ele batera as asas de cisne entre os joelhos de Leda, sacudira as pontas de touro entre os braços de Europa, gotejara em pingos de ouro sobre o seio de Dánae, pulara em línguas de fogo até aos lábios de Egina, e mesmo um dia, enojando Minerva e as damas sérias do Olimpo, atravessara toda a Macedônia com uma escada ao ombro para trepar ao alto eirado da morena Sémele? Agora, evidentemente, viera ao Cairo passar umas férias sentimentais, longe da Juno mole e conjugal, com aquela viçosa mulher, cujo busto irresistível provinha das artes conjuntas de Praxíteles e de Madame Marcel. E ela, quem seria ela? A cor das suas tranças, a suave ondulação dos seus ombros, tudo indicava claramente uma dessas deliciosas Ninfas