166
A ILUSTRE CASA DE RAMIRES

— Enterrei na ilharga do Snr. Governador Civil a minha bôa penna de Toledo, até á rama!

O Barrôlo, impressionado, beliscava a pelle do pescoço. O piano emmudecera: mas Gracinha não se movia do môcho, com os dedos entorpecidos nas teclas, como esquecida deante da larga folha onde se enfileiravam, na lettra apurada do Videirinha, as quadras triumphaes dos Ramires. E subitamente Gonçalo sentiu n’aquella immobilidade suffocada o despeito que a trespassava. Sensibilisado, para a libertar, lhe poupar algum soluço escapando irresistivelmente, correu ao piano, bateu com carinho nos pobres hombros vergados que estremeceram:

— Tu não dás conta d’esse lindo fado, rapariga! Deixa, que eu te cantarolo uma quadra, á bôa moda do Videirinha... Mas primeiramente sê um anjo... Grita ahi no corredor que me tragam um copo d’agua bem fresca do Poço Velho.

Ensaiou as teclas, entoou versos, ao accaso, n’um esforço esganiçado:

Ora na grande batalha,
Quatro Ramires valentes...

Gracinha desapparecera por uma fenda do reposteiro, sem rumor. Então o bom Barrôlo, que deante da sua terrina da India enrolava um cigarro