A ILUSTRE CASA DE RAMIRES
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caminho, negro e alto como um pinheiro, n’um furor que lhe esbugalhava os olhos esbraseados, quasi sangrentos:

— Pois o Fidalgo ainda me ameaça com a justiça!... Pois ainda por cima de me fazer a maroteira me ameaça com a cadeia!... Então, com os diabos! primeiro que entre na cadeia lhe hei-de eu esmigalhar esses ossos!...

Erguera o cajado... — Mas, n’um lampejo de razão e respeito, ainda gritou, com a cabeça a tremer para traz, atravez dos dentes cerrados:

— Fuja, fidalgo, que me perco!... Fuja que o mato e me perco!

Gonçalo Mendes Ramires correu á cancella entalada nos velhos humbraes de granito, pulou por sobre as taboas mal pregadas, enfiou pela latada que orla o muro, n’uma carreira furiosa de lebre acossada! Ao fim da vinha, junto aos milheiraes, uma figueira brava, densa em folha, alastrára dentro d’um espigueiro de granito destelhado e desusado. N’esse esconderijo de rama e pedra se alapou o Fidalgo da Torre, arquejando. O crepusculo descera sobre os campos — e com elle uma serenidade em que adormeciam frondes e relvas. Affoutado pelo silencio, pelo socego, Gonçalo abandonou o cerrado abrigo, recomeçou a correr, n’um correr manso, na ponta das botas brancas, sobre o chão molle das