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A ILUSTRE CASA DE RAMIRES

Fidalgo não resalvava o segredo, por quanto ficára o arrendamento?

— Não resalvo, não, homem! Novecentos e cincoenta mil réis.

O Pereira tirou da algibeira do collete a caixa de tartaruga, e sorveu detidamente uma pitada, com o carão pendido para a esteira. Pois maior pena, mesmo para o Fidalgo. Emfim! depois de palavra trocada... Mas era pena, porque elle gostava da propriedade; já pelo S. João pensára em abeirar o Fidalgo; e, apezar dos tempos correrem escassos, não andaria longe de offerecer um conto e cincoenta, mesmo um conto cento e cincoenta!

Gonçalo esqueceu a sopa, n’uma emoção que lhe afogueou a face fina, ante um tal accrescimo de renda — e a excellencia de tal rendeiro, homem abastado, com metal no banco, e o mais fino amanhador de terras de todas as cercanias!

— Isso é sério, oh Pereira?

O velho lavrador pousou a caixa de rapé sobre a toalha, com decisão:

— Meu Fidalgo, eu não era homem que entrasse na Torre para caçoar com V. Ex. a! Proposta a valer, escriptura a fazer... Mas se o arrendamento está tratado...

Recolheu a caixa, apoiava a mão larga na meza para se erguer, quando Gonçalo acudiu, nervoso, empurrando o prato: