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—­Não queiras saber da minha vida, rapaz. Suppõe que eu tenho a servir-me uma vara de condão où uma fada qualquer, e deixa correr.

Augusto acabou por persuadir-se de que o herbanario tinha accumulado riquezas, á fôrça de economías: porque de economías viverà sempre.

De pequeño merecera áquelle velho uma singular sympathia, e com affecto de pae fôra sempre tratado por elle.

Resignou-se a acceitar sem reflexões; até porque sabia ser fácil o escandalisar o velho com ellas. O que fazia era evitar, na presença d’elle, qualquer palavra que pudésse denunciar desejos de possuir um livro qualquer. Mas o velho, como se tivesse de facto algum poder occulto a informal-o, ás vezes parecia adivinhar; e trazia-lhe livros que Augusto devéras desejava, mas a respeito dos quaes tinha a certeza de lhe não ter falado, nem eram d’aquelles que o velho conhecia.

A seu pesar via-se quasi inclinado a adoptar a crença supersticiosa do povo a respeito d’aquelle seu velho amigo.

Pensando melhor, pareceu-lhe procederem de Angelo as informações, pelas quaes o velho se guiava na escolha. Não lhe attribuia porém o présente, porque as economías de Angelo não chegavam para tanto.

Depois de tudo quanto temos dito de Augusto, poderá ainda o leitor estranhar os ares pensativos com que o vemos?

Poucos passos andados, depois que saiu do Mosteiro, encontrou Augusto a distribuidora das cartas, que lhe entregou uma sobrescriptada para elle. Era de Angelo.

Augusto abriu-a immediatamente e leu-a ainda pelo caminho.

Era uma extensa carta, em que se succediam os períodos em um d’esses longos, incoherentes e diffusos arrazoados, que constituem a essencia de uma carta de amigo para amigo.