Ermelinda era afilhada da familia Zé P’reira, e a mesma a quem ouvimos referir-se Angelo no fim da carta.
Zé P’reira estava, como dissémos, só na cozinha, quando Augusto alli chegou: sentado, no meio da sala, sobre um alqueire voltado com o fundo para o ar, viradas as costas para a porta e a face para o lar apagado e vazio, falava, gesticulava e mudava de tom desde a nota mais grave e rouca da sua escala de barytono, até o mais agudo e desafinado falsete. A lingua pegava-se-lhe ao céo da bôca, difficultando-lhe suspeitosamente a articulação de algumas syllabas; era evidente que se apossára do hortelão o espirito familiar, o qual n’este caso, era um verdadeiro espirito, na accepção chimica do termo.
Ze P’reira era um homem baixo, já grisalho, sufficientemente nutrido, de olhos vesgos e que mais vesgos se faziam quando o enthusiasmo, o rapto artistico se apoderava d’elle; usava de umas suissas que pareciam tentar sumir-se-lhe pela bôca dentro; tinha longos braços, accommodados ás difficuldades e evoluções da sua arte, e pernas que, do joelho para baixo, lhe divergiam em angulo de mais de trinta graus.
Quando Augusto deu com elle, o homem monologava, gesticulando:
— Ora, senhores, que é forte desgraça a minha!... É forte desgraça!... Aqui estou eu!... Um homem casado... casado á face da igreja... que me casou em dia de S. Thiago o abbade que foi... e que Deus tenha em descanço. Não faltou nada... correram-se banhos deante de quem os quiz ouvir, e não houve quem puzesse impedimento... porque eu não devia nada a ninguem... sempre fui liso de contas... Sou casado com a Catharina do Nascimento de S. João Baptista, filha do Antonio Canhestro, do logar dos Fójos... E casado para quê? Faz favor de me dizer? Para que