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O Herodes, ouvindo estás palavras, pousou com impeto a mala no chão, e com os olhos chammejantes e as faces injectadas, vociferou, cedendo o campo á cólera, que se lhe accumulou no seio:

—­Com seiscentos milhões de diabos! Você que está ahi a dizer, mulher? São os sermões dos missionarios, que lhe teem assim afiado a lingua e deitado peçonha na baba? Com effeito! Saiba que dou maïs pela creança, de quem é aquelle retrato, do que por quantos sotainas lhe ouvem os seus peccados todas as semanas e por quantas beatas andam comsigo a dar marradas no lagêdo da igreja. Fazer a cabeça doida á minha filha! Tenha mão na lingua, comadre, que lhe não soffro tanto. Doida lh’a trazem a vossemecê os missionarios e os sermões. Seu marido fôra eu, que a mania lhe tirava.

O Zé P’reira, apesar dos seus desgostos domesticos, zelava a dignidade do casal; e não levava á paciencia que outro, além d’elle, dissesse d’aquellas verdades á mulher; por isso, ouvindo-as, através dos sonidos que lhe chiavam nos ouvidos, levantou-se, e sustentando-se nas pernas vacillantes, e bracejando sempre, bradou:

—­Compadre! Eu sei quaes são os meus deveres! Compadre, prudencia!... Compadre, eu não consinto... Ora, senhores, que é forte coisa! Compadre!... veja que eu é que sou aquí o chefe da familia e está é minha mulher! Pschiu... Basta... Compadre... basta. Então? Ora, senhores.

Mas o Herodes já nada attendia; cada vez maïs lhe crescia a vermelhidão nas faces; a irritação romperà os diques da cordura e ameaçava engrossar cada vez maïs. Ás exclamações de Zé P’reira respondia já azedamente.

—­Ora adeus, temos conversado... Seja homem, que bem precisa... Não basta dar á lingua... Na taberna não é que se governa a casa...

A sr.ª Catharina abstinha-se agora prudentemente.