— Christina deixou de ser creança desde aquelle dia.
— Querido anjo!
— Querido anjo?... Diz bem; deve adoral-a, tal como ella é ingenua, timida, supersticiosa até, se quizer; mas bondosa, mas adoravel, mas uma indole talhada para acalmar as paixões demasiado violentas de um caracter como o seu; para lhe fazer ter mais esperança na vida, mais coragem e mais fé no futuro.
Henrique, depois de instantes de silencio, disse, sorrindo, para Magdalena:
— Diga-me uma coisa, prima Magdalena; comprehendendo tão bem as necessidades do coração dos outros, não pensou ainda nas do seu?
— E quem lhe disse que as tinha?
— Conceda-me tambem um pouco da sua admiravel perspicacia, e não se julgue tão impenetravel, que não offereça leitura aos olhos que a observam.
— Ah! Então leu?
— Uma pagina eloquente de sentimentos generosos, prima; uma pagina que eu só agora estou habilitado para a apreciar como merece; pagina, porém, tão recatada, que julgo que ainda a não leu bem o principal interessado n’ella. Cego, como eu fui.
— Não leria? — perguntou Magdalena, sorrindo. — Está certo d’isso?
— E pode ser que lesse, pode; ou pelo menos que por inspiração a adivinhasse. Ha casos d’esses.
Magdalena tornou, mudando de tom:
— É ainda cêdo para tratar de mim. Quando me resolver a isso, verá que sou um doente modelo. Não hesitarei ante a violencia do remedio.
— E por que demora o tratamento?
— Pois parece-lhe que será urgente o caso?
— Prima Magdalena, o que vejo é que ha mais fortaleza da sua parte do que....
— Silencio! — disse a morgadinha, escutando. — Pareceu-me ouvir...