― Eu julgo que sim, tia Dorothéa.
― Tu! Ai como estás um homem! Ó Maria de Jesus, você não quer vêr isto!?
― Parece mesmo um soldado! ― disse a criada, igualmente estupefacta.
― Credo, mulher! Santissima Trindade! Você que está a dizer? Nossa Senhora nos livre de tal! ― exclamou a ama, em cujo conceito o soldado estabelecia a transição do homem para o diabo.
No entretanto Henrique de Souzellas abraçava a tia, que havia tanto tempo que não vira, e ella correspondia-lhe, beijando-o com todo o carinho e chorando.
Chorando por quê? Por quê? Pela muita bondade que tinha n’aquella alma. A bondade é um rico manancial, que brota lagrimas ao toque da menor commoção.
Henrique não tinha ainda bem conseguido libertar-se dos roxeados amplexos e mais provas de affecto de sua tia, quando se sentiu prêso em novos laços. Era Maria de Jesus, que o abraçava tambem e lhe pespegava nas faces dois beijos muito chiados, como aquelles que veem a ferver do coração, e isto acompanhado de um ― Ai o meu rico filho! ― tão eloquente como os beijos.
Henrique, habituado ás etiquetas da civilisação urbana, que estabelece entre amos e criados distancias desconhecidas na aldeia, extranhou um pouco a familiaridade, mas sujeitou-se a ella sem reflexões.
Maria de Jesus dizia, ainda admirada:
― Ó senhora! Não que uma coisa assim! Pois é este o menino que vinha á cozinha limpar o tacho, em que se fazia a marmelada!
― É verdade! E que boa marmelada cá se fazia!
― Lambareiro! ― disse a tia, sorrindo. ― Se eu soubesse que eras assim, não tinha mandado lavar o tacho do dôce, que ainda hoje serviu.
― Sim? Então ainda se faz dôce cá em casa, como d’antes? ― perguntou Henrique.