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suas glorias, e que ainda n’aquelle dia servira á frente da procissão.

Ahi se conservou em quanto durou o sermão. Junto do artista deitára-se a dormir o seu satellite, o rapaz do bombo, o que, a passadas compassadas e valentes, secundava os rufos rapidos e febris que o outro executava na caixa — pancadas que eram, por assim dizer, as virgulas d’aquelles floridissimos periodos acusticos.

Em posição de cansaço e desalento o Zé P’reira monologava, como era habito seu, sempre que tinha o cerebro repassado do espirito familiar.

Lamentava comsigo, o bom do homem, o desmazêlo domestico da sua cara metade; a influencia funesta dos missionarios na paz das familias, e sobre tudo a indifferença que principiava a perceber nas massas para as maravilhas do predilecto instrumento, que elle conhecia a preceito.

Era de facto esta uma das causas dos pesares secretos do hortelão.

Desde que, por influencia do mestre Pertunhas, se instituira a philarmonica na aldeia, Zé P’reira andava triste e desassocegado.

N’aquillo viu elle a morte da sua arte. Um ceci tuera cela, como o que preoccupava e entristecia o arcediago de Notre-Dame de Paris, analogamente inquietava o nosso homem. O espirito e gôsto publico entravam em nova phase, preparava-se uma revolução na arte. O reformador era o mestre Pertunhas; instituindo a banda marcial, verdadeira extravagancia romantica comparada á simplicidade e nobreza classica dos portentosos rufos do Zé P’reira, o mestre de latim realisou um commetimento digno de menção na historia da arte.

Pobre Zé P’reira!

Estas reflexões estavam-lhe acudindo todas, e mantinham-o, havia perto de uma hora, em uma posição contemplativa deante do tombado instrumento de seus ruidosissimos triumphos. Lia-se