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Os olhos de Ermelinda fitaram-se tristemente no sol já vacillante, com a expressão, cheia de saudade e de poesia, de uma alma joven que se despede da vida, e, quando o sol desappareceu, desviaram-se lentamente para o rosto de Magdalena, que a observava com anciedade.

Ermelinda sorriu; um sorriso mais triste do que as mais tristes lagrimas.

A morgadinha apertou-a ao seio, commovida.

— Que tens tu, minha filha? — disse-lhe com meiguice, afagando-a.

Ermelinda não respondeu, mas continuou a fitar Magdalena com a mesma expressão de affecto e de tristeza.

A morgadinha approximou os labios dos d’ella para beijal-a.

A pequena doente correspondeu-lhe ainda ao beijo e continuou a fital-a como d’antes. E durou, e durou este olhar até que pareceu a Magdalena haver n’elle não sei que estranha fixidez, que a inquietou.

Palpou as mãos da creança; estavam frias; o coração, parado; chamou-a pelo nome... a mesma fixidez no olhar, a mesma immobilidade nas feições... estava morta.

Foi assim que se despediu da vida aquelle candido espirito. Foi como o adormecer de uma alma, que algum anjo invisivel, namorado d’ella, arrebatasse nas azas para o throno de Deus.

A morte de uma creança como Ermelinda é um facto de ordinario indifferente na vida social; alguns sorrisos de menos no mundo; uma voz que emmudece nos festivos córos da infancia; algumas sentidas lagrimas de mãe sobre um berço vazio; algumas flores sobre um tumulo; e á superficie das ondas sociaes nem sequer a leve vibração que a rosa desfolhada imprime á agua tranquilla do lago... eis tudo.

A multidão segue no delirio das festas, na lucta das paixões, na febre da ambição e das glorias, e o