a pouco principiou a mover-se alguma coisa por[1] entre os troncos do pinheiros; tornaram-se distinctas uma, duas, tres e muitas figuras de homens, correndo em direcção ao cemiterio, gesticulando, berrando, soltando ameaças, algumas das quaes já a distancia a que elles vinham permittia ouvir claramente.
Não era difficil adivinhar a significação d’aquillo. A questão vital do dia era, para todos os espiritos, a dos enterros, em campo descoberto; a cada momento se falava em motim prompto a organisar-se e a rebentar. Ficava pois evidente que tinha chegado a ocasião da crise popular já antevista.
Cêdo invadia o cemiterio um bando de furiosos, desorientados, de aspecto feroz, berrando e brandindo ameaçadoramente paus, fouces, chuços, e todas as peças do extravagante arsenal, a que o homem do povo recorre sempre ao chamamento da arruaça ou da sedição.
Era o bando dos influentes da taberna do Canada, de cujo proposito estavamos prevenidos; agora, porém, já engrossado, como a corrente a que no caminho se incorporam as aguas dos algares.
Entre os primeiros vinha o sr. Joãozinho das Perdizes, e ao seu lado o factotum Cosme.
Estes, enraivados, correram para o logar onde parára o enterro, bradando em confusão:
— Alto lá! alto lá! Ninguem se enterra aqui!
— Esperem! Isso não vae assim!
— Não façam a festa sem nós!
— Fóra com os do cemiterio!
— Morram os pedreiros-livres!
— Para a igreja!
— Enterre-se na igreja!
— Olá, sr. abbade, espere por nós!
— Aqui vamos para abençoar a cova!
E n’um momento o cortejo funebre viu-se rodeado de figuras avinhadas, gesticulando e vociferando pouco tranquillisadoramente.
- ↑ "coisapor" no original, erro tipográfico.