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Uma carta que Magdalena lhe escreveu, noticiando-lh’a, já não o encontrára na prisão, para onde fôra dirigida.

Vinha cheio de esperanças o pobre homem, porque eram para animar as ultimas noticias recebidas.

Vendo de longe o ajuntamento no cemiterio, ouvindo os gritos sediciosos, conjecturou que havia algum motim popular por causa dos enterros no adro, que elle sabia serem antipathicos aos espiritos da terra.

Quando descobriu a morgadinha, envolvida pelo tumulto, e no tumulo da mãe, previu que ella estava correndo perigo, e apressou-se logo a acudir-lhe.

Ao chegar, porém, ao meio do circulo, que conseguiu romper, e quando ia a dirigir a palavra a Magdalena, reparou para o cadaver da creança do esquife, o qual continuava ainda pousado no chão; fitou os olhos n’aquella pallida e serena physionomia, ainda animada pelo mesmo sorriso de innocencia, e, apesar da debil claridade da hora, reconheceu a filha.

Nem um só grito de dor lhe saiu dos labios, nem um só movimento de surpresa; ficou mudo, immovel, com os olhos fitos n’aquella creança morta, com as mãos juntas e com as faces extremamente pallidas.

Perante está terrivel manifestação de dor, que toda se concentra, para n’um momento gastar maïs vida do que o perpassar de muitos annos, calmaram todos os outros sentimentos que dominavam os corações.

Fez-se um profundo silencio. O Herodes, n’uma especie de recolhimento fervoroso, ajoelhou junto do caixão de Ermelinda, e trémulo, opprimido, quasi sem alento para chorar, approximou a mêdo as mãos das mãos cruzadas da creança.

Ao primeiro contacto retirou-as rapidamente por achal-as de gêlo; mas, tomando-as outra vez, murmurava: