― Então não estranhaste?
― Estranhei immenso!
― Sim?! ― disse a tia, mortificada.
― Dormi a noite de um somno, e acordei bem disposto; o que para mim é a mais estranha das occorrencias.
A tia sorriu satisfeita.
― Pois antes assim. E agora...
― E agora quero sair, quero vêr esta terra, que me está parecendo um paraiso terreal.
― Espera, menino. Não vás sem almoçar.
― Almoçar! Pois que horas são?
― Não é cêdo; são já sete horas.
― Já sete horas!
E Henrique insensivelmente desviou os olhos para a janella, para vêr como era a natureza, a uma hora a que raras vezes a examinava.
― E então acha que se pode almoçar ás sete horas?
― Por que não? Se está já prompto.
― Bom; almocemos. O doutor disse-me que tomasse os habitos da aldeia. Principiemos por este.
Entrando para a sala do jantar, Henrique viu deante de si uma taça de leite espumante, tépido, odorifero, extrahido de pouco tempo.
Foi por elle que principiou o almoço.
Pela primeira vez na sua vida disse elle ter bebido o leite verdadeiro, o leite que não faz mentir a analyse dos chimicos, de que os physiologistas exaltam as qualidades nutritivas, de que os poetas das georgicas cantam as delicias e virtudes; só agora os comprehendeu elle, que bem differente d’aquillo era o aguado e quantas vezes derrancado sôro, a que estava habituado na cidade.
D. Dorothéa, almoçando, e Maria de Jesus, servindo, falaram, segundo o costume, continuadamente.
Henrique, d’esta vez, falou tanto como ellas.
Ouvia-as já com mais attenção e respondia-lhes com mais vontade e paciencia.