cada vez mais se mostrando empenhada no que dizia o médico. Agora tinha o cotovelo fincado na almofada, a mão amparando o rosto, e os olhos espetados no teto.

— Era muito natural, continuou aquele; muitíssimo natural que, em meio de uma sociedade devassa, em meio da França da Pompadour, aquele verbo sincero, ingênuo, convicto e apaixonado, a todos fulminasse, como se fora ele raios de luz vingadora enviada diretamente por Deus. Paris, meio eletrizado de Champagne, havia adormecido embalado por uma canção de Bouflers, guinchada por qualquer espalier do teatro de Audinot, e acordou estremunhado no dia seguinte à voz cristalina e matinal de uma criança, que vinha repetir em linguagem bíblica o que há quase dezoito séculos apregoavam em Galiléla os discípulos de Cristo. É natural que se comovesse... e foi isso justamente o que sucedeu. Paris, que há tanto tempo só sabe fazer uma cousa bem feita e com graça,— a orgia,— ficou embasbacado defronte da casta e simples palavra de um pobre seminarista sem pretensões. Nada mais justo! Mas o que lhes afianço, meus amigos, é que, se o simplório do padreca visasse a qualquer efeito; se desconfiasse, ao menos, da impressão que ia produzir no público, a ninguém teria comovido. Se ele conhecesse a sociedade que hoje o aclama; se ele tivesse tido a menor aspiração de glória; se ele