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Não ainda se haviam passado doze centenas de anos,
A terra ampliava-se, as gentes multiplicavam-se,
A terra como um boi mugia,
Com seus brados os deuses disturbavam-se.
Énlil ouviu o bramido (rigmu) deles,
Disse aos grandes deuses:
Atingiu-me o bramido da humanidade,
Com seus brados estou privado de sono (šittu) (1, 352-359);
- e)então os deuses resolvem enviar uma peste, para reduzir o número de homens e, consequentemente, o barulho produzido por eles, mas Enki instrui o Supersábio sobre como fazer cessar a peste;
- f)de novo, "ainda não se haviam passado doze centenas de anos" e tudo se repete, Énlil ouve o bramido dos homens e não logra
dormir,
- g)então os deuses resolvem enviar uma seca para dizimar a humanidade, mas Enki instrui o Supersábio como fazê-la cessar,
- h)de novo, "ainda não se haviam passado doze centenas de anos" e tudo se repete, Énlil ouve o bramido dos homens e não logra dormir,
- i)os deuses, então, optam pela solução mais radical, mandar o dilúvio, que aniquilaria por completo a humanidade, mas Enki instrui o Supersábio que construa a arca e tudo mais, o que salva os homens da completa extinção, levando a uma nova aliança com os deuses. (cf. LAMBERT et al., 1999)
Observe-se como essa antropogonia, a mais elaborada de quantas foram produzidas na zona de convergência do Mediterrâneo oriental — incluindo as gregas e hebraicas —, concentra-se inteiramente sobre três pilares: o homem foi criado para trabalhar (o fardo do trabalho é o que define a condição humana); o trabalho produz ruídos (movimentos ruidosos são inerentes à condição humana); o alarido da humanidade disturba os deuses (o gozo do repouso define a condição divina). Dessa perspectiva, fica claro que o que provoca ruídos, os quais, passado certo limite, perturbam os deuses, é a própria atividade dos homens sobre a face da terra, noutros termos, a própria vida humana (cf. OSHIMA, 2014, p. 281-282).