Certos sujeitos mais desabusados asseguravam que sendo a praia coberta de árvores, na raiz de alguma fisgara a âncora, e assim explicavam o acidente. O geral, porém, vendo nisso um milagre, o referiam mais ou menos por este teor.
Segundo a tradição, Nossa Senhora da Glória agastada por terem-na escolhido para padroeira de um navio corsário, tomado aos hereges, durante o banquete abandonara o seu nicho da proa e se refugiara no cimo do outeiro, onde à noite se via brilhar o seu resplendor por entre as árvores.
Sabendo o que, Aires de Lucena botou-se para a praia e foi subindo a encosta do morro em demanda da luz, que lhe parecia uma estrela. Chegado ao tope, avistou a imagem da Senhora da Glória em cima de um grande seixo, e ajoelhado defronte um ermitão a rezar.
— Quem te deu, barbudo, o atrevimento de roubares a padroeira de meu navio, gritou Aires irado.
Ergueu-se o ermitão com brandura e placidez.
— Foi a Senhora da Glória quem mandou-me que a livrasse da fábrica dos hereges e a trouxesse aqui onde quer ter sua ermida.