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— «Selvagens, não! Por não terem o talento e a cultura do sr. Telles, não os poderemos chamar assim!... É o povo, na sua inconsciencia e rudeza, dando-nos um espectaculo verdadeiro, humano, superior pelo colorido e espontaneidade ao que a multidão dos civilisados nos dá por vezes.

João sorria intimamente satisfeito por a ver tratar assim o Telles, que detestava, por o saber amigo intimo, quasi irmão do Vilhegas, connivente porventura no crime que imaginava, e pelos ares de artista neurasthenico e raro que elle affectava.

— «O quê — respondeu elle passando os dedos abertos pela cabelleira de romantico, n’um gesto familiar — pois V. Ex.ᵃ não acha brutal, não sente que os seus nervos se crispam, que o seu espirito delicado se confrange n’esta feira franca de vulgaridades?!...

— «Não, sr. Telles! Em primeiro logar porque os meus nervos são as pessoas mais pacatas e commodas d’este mundo; depois porque o meu espirito comesinho se compraz com as alegrias simples do povo. Repare como cantam e como é excepcionalmente movimentado este motivo.

Inclinaram-se todos sobre o paredão para melhor destinguirem um côro de vozes que entre as outras avultava, pela uniformidade e enthusiasmo com que acompanhavam a roda sapateada:

«Liberdade, liberdade,
Quem a tem chama-lhe sua.»