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quasi o desconhecia na gloria do sol entrando pelas janellas com cortinados vermelhos, no triumpho das luzes, do incenso subindo em espiraes e dos ricos paramentos.

Desinteressada das lithurgias, deixava que os seus olhos e o seu espirito vagueassem pelo recinto sagrado sem que a isso a levasse uma consciente vontade, e sem mesmo pensar deixou-os perderem-se na contemplação dos ex-votos, que se alinhavam como um rosario de lagrimas na parede fronteira. Sorriu complacente aos laudatorios quadros em que a cama e o doente, na ausencia de toda a perspectiva, se alevantam no mesmo plano, em agradecimento á milagrosa santa que arrancára o infeliz condemnado da escuridão sepulchral... Tranças de cabello, roídas pela traça, junto das offertas de cera, amarellecidas umas pelo tempo, diaphanas ainda, como da ultima hora, outras, cabeças, pernas, braços, todo o corpo humano sujeito á dôr, baralhado e destruncado pelo acaso do soffrimento... Mortalhas amarfanhadas e destingidas, pequeninos caixões com bonecos representando a vida d’uma criança resgatada de prematura morte, caixões esguios para homens, outros brancos para virgens...

Tanta desgraça, tanta miseria a acolher-se á crença no milagre, como se a vida sem elle não fosse mais do que um desterro! Bella evocava as dôres que representavam essas offerendas, e a sua alma energica confrangia-se n’uma duvida, n’uma como ansiedade de quem presente que o temporal se aproxima e não tem a certeza de se achar bem couraçado para a resistencia.