Página:Ambições (Ana de Castro Osório, 1903).pdf/194

meu pae. Um desgraçado, uma victima mais do que um malfeitor. A sociedade tinha-lhe permittido todos os desregramentos porque era rico e para o exilio pouco ou nada terá levado d’aquillo que dizem ter subtrahido; as mulheres e o jogo tinham-no arruinado primeiro. A minha mãe é que era inglesa, sobrinha unica do tio Burns que a tinha educado e criado com os mesmos cuidados e mimos com que depois me tratou a mim. Mas a minha mãe era melhor do que eu, de uma doçura, uma passividade angelical. Nunca abriu os labios para um gemido de queixa. Os escandalos que meu pae deu, logo após o casamento, eram taes e tantos que o tio queria que ella requeresse separação. Como não quiz, sahiu elle de Portugal, onde então vivia tambem uma grande parte do anno. Nunca mais se viram. Quando eu tinha dois annos morreu minha mãe — de desgosto, de saudade!? Sei lá comprehender em que rios de lagrimas se affogou aquelle pobre coração! As horas que eu tenho passado a querer evocar a dolorosa physionomia da sua ultima hora, quando concentrasse em mim todas as suas forças vivas, n’um ultimo olhar de angustia!... — Um soluço nervoso sacudiu-lhe todo o corpo doridamente. João, com os olhos avermelhados de lagrimas que reprimia, quiz interrompê-la com alguma palavra consoladora, mas suspendeu o com um gesto e continuou:

— «Não diga nada, que a piedade da sua attenção vale bem mais do que todas as palavras.

Cahiu n’um fundo meditar; depois continuou n’uma voz quebrada, vinda do sonho da