Página:Ambições (Ana de Castro Osório, 1903).pdf/197

dôr pelo desejo não realisado. Elle sorriu-se, acarinhou-me com a delicadeza de uma affectuosa mãe e, passado duas horas de ter sahido de casa, appareceu me um gallego á porta com o meu thesoiro. A alegria, que tive ao vêr desempacotar, peça por peça, o que constituia o meu sonho realisado, não se descreve. Já elle então luctava com difficuldades, mas não recuou em arcar com mais essa despesa para satisfazer o capricho de uma criança mimosa! No entanto, pouco se importava com a minha educação moral; que para a outra tinha professoras que pagava generosamente para me aturarem com paciencia... E costumava dizer, quando lhe censuravam a maneira como me educava, ou... me deixava por educar, que é mais proprio: — O unico fim da existencia na sociedade em que vivemos é a felicidade, e a pequena assim é feliz!... E era o como poucas crianças o tem sido, n’uma inconsciencia, n’uma innocencia, que a maldade passava por mim sem me macular o espirito, porque a não comprehendia. D’este sonho fui despertada um dia brutalissimamente por uns agentes da justiça, que nos sellavam as portas e poriam na rua se a bonne não conseguisse que eu habitasse no meu quarto até que o tio Burns respondesse ao seu telegramma. Eu fiquei como que assombrada, cahida d’um mundo desconhecido onde me collocara, com a minha marquesinha, sem chegar bem á comprehensão nitida do que me succedia... Foi desde então que me chamaram Isabella Burns, e nunca mais me fallaram de meu pae — como coisa vergonhosa...