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Ora estas e outras superioridades de riqueza e de espirito eram um continuo manancial de sensaborias para o orgulho da conselheira que recebia n’essa noite, pela ultima vez antes de partir, os frequentadores das suas quintas feiras.

Como de costume, a maior animação era em volta das mezas de jogo.

Só a baroneza da Amieira se affastara com o D. Manuel Pereira — porque, dizia ella, era o jogo o unico vicio que nunca lhe dera prazer. Se perdesse, não se encommodaria, porque o dinheiro pouco valor tinha aos olhos da viuva que aos deseseis annos comprara, com o inestimavel preço do seu corpo juvenil e bello, uma fortuna quasi ingastavel. Se ganhasse, de que lhe serviria o dinheiro, que aos outros fazia tanta falta?!...

Não seriam positivamente essas considerações altruistas a causa da sua abstenção, mas como era divertimento de que não gostava, sabia com ellas tornar se sympathica. Chegava mesmo a sê-lo, apezar de todas as loucuras que os annos não tinham ainda interrompido. Intelligente, de uma saúde vigorosa, activa e com muito espirito, ousára fazer sempre o que a vontade e o capricho lhe aconselhavam sem sombra de respeito pela sociedade que conhecia cheia de tolerancias para as que, como ella, se escudam na fortuna, e tão austera soe sêr para as pobres que prevaricam.

No intimo da sua alma leviana havia um fundo de instinctiva justiça que a fazia prodiga com os miseraveis e sem maledicencia que ennodoasse