Página:Ambições (Ana de Castro Osório, 1903).pdf/286

ao publico de Lisboa, ávido de se mostrar á altura da civilisação que lá fóra consagrára a grande actriz.

Não havia logares inferiores, de cima a baixo todos representavam um preço que não admittia a blusa do operario e o vestidinho domingueiro da costureira ou o côco dos pequenos burguezes, bem indifferentes de resto a acontecimentos artisticos, para os quaes lhes falta a educação esthetica.

As casacas pretas crusavam-se nos corredores do terceiro andar como nos do primeiro, e senhoras conhecidas na sociedade, que não tinham podido obter melhores logares, riam de se encontrarem nas varandas com artistas, principalmente litteratos novos, cujas bolsas lhes não abonavam mais commodo logar para satisfazer a necessidade intellectual de ouvir e vêr a genial artista, faziam uma festa picante, com sabôr a extravagancia, d’essa invasão elegante em todo o theatro.

A cada momento se abriam portas de camarotes, e mulheres meio-vestidas de gala, refulgentes de pedrarias, vinham encostar ao parapeito carmezim da balaustrada os braços enluvados. O ruído das conversas enchia a casa de um rumorejar de colmeia e os leques agitavam-se como azas palpitantes de loucas phalenas nocturnas que a luz atrae e queima. Sentia-se uma atmosphera quente de primavera que já floria os primeiros lilazes e enverdecia as arvores do passeio sem embargo da chuva que todo esse inverno se mostrara, com raros intervallos, irritante pela persistencia.