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fonte inesgotavel de carinho, apenas encontra estranheza e hostilidade...

É então que a artista se revella extraordinaria de sentimento, flagrantissima de psychologia feminina, mais ainda do que nas scenas violentas de paixão, reconhecendo quanto differe da pequena irmã que na sua ingenuidade lhe mostra o que já fôra e nunca mais poderá ser, fatal sciencia do mal que uma vez adquirida não mais se pode esquecer nem limpar da memoria.

Magda pensa com horror no brutal egoismo do amante que, fugindo como covarde á responsabilidade do crime, o faz recahir esmagadoramente sobre os hombros mais fracos da mulher, que deixa de ser cumplice para se tornar victima.

A Duse, encarnada n’esse papel, deixa de ser uma pessôa que representa a ficção alheia para se mostrar ella mesma, elevada e transfigurada pelo proprio esforço e talento; tão depressa carinhosa e dôce, como mãe que encontra um filho perdido, junto da irmã, recebendo-lhe as confidencias, revivendo n’ella o seu passado de pureza e sentindo a devastadora mágua dos factos irremediaveis; logo, ironica e vaidosa da leviandade que escandalisa as burguezas puritanas que frequentam a casa dos paes; cheia de nobre dignidade quando recusa o marido que lhe impõe o abandono do proprio filho em respeito ao mundo; extraordinaria de paixão, quando responde com o seu despreso de mulher que só o talento, e um feliz acaso da natureza que lhe deu uma garganta privilegiada, salvaram da miseria e da vergonha de que tantas outras, por desajudadas,