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egoismo, se as guardasse todas para mim, não é verdade? No silencio da casa adormecida sinto-me mais só, mais abandonada que nunca, e por isso encontro ainda algum consolo em conversar com o unico espirito meu irmão. Recordo com infinita ternura as horas de paz que a tua amizade me tem dado. Lembras-te da primeira vez que nos encontrámos? Parece que te estou a vêr: muito fina, d’uma elegancia um pouco infantil, um sorriso de bondade divina na tua bocca graciosa. Convalescias d’uma perigosa doença e eu arrastava os desesperos da minha felicidade manquée. Só uma doente de corpo e uma doente d’alma iriam procurar a solidão religiosa da natureza, por aquelle principio de primavera, no Bussaco, quasi inverno ainda! Talhadas uma para a outra, as nossas almas reconheceram-se logo. Os mesmos passeios, as mesmas predilecções pelos largos horizontes, os mesmos embevecimentos pantheistas deante da natureza. Já nos tinhamos encontrado tanta vez na Cruz-alta, procurando o mar no poente longinquo e querendo vê-lo na rosea claridade do céo... no Calvario, na Memoria, recordando tempos passados, admirando a gravidade pachorrenta da sentinella, divagando pelas ruas cheias de sombra por todo esse cantinho paradisiaco, mais bello ainda na solidão de thebaida em que o encontravamos. A nossa conversa primeira tida alli na Fonte-fria, ao compasso da agua murmurante, sob a cópa das arvores seculares, foi intima e confiada como se nos conhecessemos desde o berço. Sob a reserva das minhas maneiras, que fundo de ingenuidade