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— «Injusto?! Não sou, tenho por elle a maior consideração. E, no entanto, foi a sua feroz honradez que me precipitou no abysmo em que te perdi, Bella — respondeu com amargura.

— «Elle que te perdeu!? Não creio, é incapaz de fazer mal a ninguem.

— «Se me tivesse respondido com o auxilio a uma carta supplicante que lhe escrevi antes de irremediavelmente perdido, tinha-me salvo. Tenho um medo atroz aos homens ricos e intransigentemente honrados porque não comprehendem as necessidades alheias e chegam a ser crueis, como elle foi.

— «Quem sabe se não acreditou na extremidade em que lhe escreveste, papá?! Não o julgues pelas apparencias...

— «Emfim, aconteceu o que tinha de acontecer e não lhe quero mal, basta ter feito de ti o que és.

— «Talvez nem recebesse a tua carta.

— «Está bem, não fallemos mais n’isso; precisamos fallar do presente, deixemos o passado ao passado — e continuou no tom ligeiro do costume. — Quando soube pelo Visconde que tu vivias em Portugal, pensei em voltar a Lisboa, fazer barulho de honradez, pagar as dividas e rehabilitar-me legalmente. Isto para te poder rehaver e contar com o teu affecto, que a rehabilitação aos olhos da sociedade é-me completamente indifferente. As dividas que me pesavam na consciencia eram as que tinha a bôa gente honesta que me entregára o seu dinheiro confiando-me a sua fortuna por confiarem em mim. A esses, que não eram muitos, nem dos