nos virá encantar a doce recordação desses belos dias em que tínhamos, como diz Lamartine:
Um flot calme, um vent dans as voile;
Toujours sur as tête une étoile,
Une espérance devant lui.
Não sei se dizia, ou se unicamente pensava todas estas coisas. Tinha-me esquecido do meu hóspede.
Deu meia-noite. Senti um estalar de juntas. Voltei os olhos para o sujeito. À última pancada do relógio, um outro homem se destacou do primeiro e desapareceu.
Obstupui, steteruntque comae, et vox faucibus hoesit. Fiquei pasmo. Decididamente passava-se naquele momento alguma coisa de fantástico e de sobrenatural.
Entretanto o sujeito, calmo, mas repentinamente emagrecido, olhava-me com um semblante tranqüilo, um pouco melancólico.Compreendeu o meu espanto, e respondeu à pergunta muda que lhe fazia o meu olhar espantado:
— É o dia 29 que acabou, e que se foi embora. Só me restam agora dois dias de vida.
Esta resposta ainda mais me atordoou. Mas afinal, como o meu companheiro esperava pacientemente a continuação da conversa, tomei uma resolução; acendi o meu charuto na vela que estava quase a apagar-se, e fui por diante, disposto a não me admirar de mais coisa alguma.
Palestramos muito tempo. Dissertamos sobre a guerra do Oriente, sobre a Europa, e mais largamente sobre os futuros destinos do Brasil. Contou-me algumas crônicas escandalosas, que presenciou, referiu-me muita anedota engraçada e muita história galante.
Viemos a falar do teatro; e ele confessou-me francamente que, a princípio, tentou deita-lo a baixo com o negócio das tesouras, e mesmo com algumas chuvas e com a grande ventania do mês passado. Que infelizmente não o conseguiu; e por isso assentou de torna-lo a coisa mais ruim e a mais desenxabida,